segunda-feira, dezembro 09, 2013

For she's a jolly good fellow!

Antes que os últimos dias da gravidez e os primeiros de maternidade me levem a mudar de ideias, aqui fica a minha homenagem à miúda mais espectacular que já existiu na vida intra-uterina (pelo menos na minha!).

Não faço ideia do que ela vai ser cá fora e se o bom comportamento fetal se manterá na primeira infância e pela vida fora, mas por agora é justo dizer que foi uma excelente e pouco exigente "passageira na viagem" dos últimos meses. 

Nem um enjoo. Nem um mal estar. Nem uma estria. Nem um inchaço. Nem um dia em que não pudesse fazer a minha vida absolutamente normal. 

Comigo, andou de avião mais vezes do que seria recomendado. E ainda fez kms de carro e comboio. Passeou por essa Europa fora e pela acidentada costa Alentejana. Participou em reuniões intermináveis e preparou documentos, memorandos e relatórios. E tudo sem se vingar em mim, proporcionando-me aquelas adoráveis maleitas que milenarmente associamos à gravidez. Aguentou dias de calor de estalar (sim, na Bélgica!), várias mudanças e muitas caixas e sacos e até quedas pouco prováveis! Portou-se, em todos os momentos, de forma exemplar!

É por ter sido uma excelente companheira de viagem, que a miúda merece este elogio. A ver se para o ano merecerá post semelhante...

segunda-feira, setembro 30, 2013

Sobre as autárquicas

É muito difícil fazer leituras nacionais de umas eleições locais, mas é grande a tentação. É por isso que muitos nos querem convencer que foi uma verdadeira onda rosa que varreu o continente na noite de ontem. Nada mais errado.

1. Indo às capitais de distrito, o PS perdeu câmaras importantes para o PSD (Guarda e Braga) e outras para a CDU (Évora e Beja). Ganhou Coimbra e Leiria, mas não conseguiu ganhar as câmaras de Santarém e de Faro ao PSD. Foi brilhante? Longe disso.

2. Em Lisboa, a vitória estrondosa de António Costa é a de uma candidatura que, ouvi repetir várias vezes ontem, é PS+. É do PS sim, mas é mais do que isso. É dos independentes e é da oposição a António José Seguro (cometesse ele os erros primários da direcção do PSD e outro teria sido o candidato em Lisboa). É sintomático que a vitória mais evidente do PS seja a do adversário do actual líder (o qual não vi passar pelo Altis). É sintomático que o discurso de vitória de Costa seja mais nacional do que local. Se eu fosse Seguro estaria preocupado.

3. No Porto o PS não conseguiu, sequer, capitalizar a divisão das hostes de Direita entre as candidaturas de Menezes e de Rui Moreira. O PS foi reduzido à sua insignificância na segunda cidade do país, quando tinha a mais do que evidente obrigação de ganhar.
 
4. Gaia e Sintra são mais dois tristes exemplos da vitória de pirro do PS. Os candidatos do PSD somados (havia dois em cada um dos municípios) têm mais votos do que os socialistas agora eleitos presidentes da Câmara. Será preciso dizer mais?
 
 
Tudo isto nos leva à segunda grande questão: foi a derrota do PSD assim tão grande? Foi e não foi.
 
1. Foi enorme, gigantesca mesmo, a derrota de um certo PSD. O PSD das escolhas erradas, dos "meninos do chefe", dos "trânsfugas municipais". Com isso perderam Sintra e Gaia. E o Porto também. No distrito de Lisboa o PSD ficou reduzido a duas câmaras. Muito curto para sustentar as clientelas. No Porto o terceiro lugar de Menezes e o desaire em Gaia deviam ter consequência. Resta saber se soprarão ventos de mudança nas distritais do PSD.
 
2. Mas, se pensarmos que o PSD está no Governo há 2 anos, a levar a cabo um programa de ajustamento duríssimo e a aplicar medidas muito pesadas aos Portugueses, e depois olharmos para o mapa autárquico, vemos que a derrota não é avassaladora. Ou melhor, a vitória do PS ao não o ser, verdadeiramente, atenua (e muito) os estragos causados ao PSD.
 
3. Concluo, assim, que o PSD foi mais penalizado pela sua inábil gestão autárquica e pelas suas escolhas infelizes do que pela governação. Os eleitores não deram uma vitória ao PS. Os eleitores castigaram as más escolhas do PSD nos seus concelhos. Tivesse o PSD feito uma inteligente gestão autárquica e hoje a situação poderia ser bem diferente.
 
 
Mas resumir as autárquicas a PSD e PS é curto. Porque relativamente ao CDS, PCP e BE há bem mais a notar.
 
1. O CDS foi um dos claros vencedores da noite. Aumentou o número de Câmaras (quintuplicou, mais exactamente), aumentou o número de mandatos autárquicos, manteve-se nas coligações que entendeu serem projectos de continuidade e soube distanciar-se da desastrosa candidatura de Menezes no Porto. O que o PSD teve de inabilidade, o CDS teve de inteligência na gestão do dossier autárquico e foi premiado por isso.
Se a coligação governamental foi penalizada, como o PS e a esquerda em geral nos querem fazer crer, como explicar o sucesso do CDS, ao apresentar-se com o seu símbolo e as suas cores e, ainda assim, a conquistar 5 Câmaras? E o sucesso de tantas das coligações PSD+CDS por esse país fora?
 
2. O segundo vencedor da noite foi o PCP. Recuperou espaço (à custa do PS, convém recordar, não vá algum leitor mais distraído achar que foram roubar votos à direita directamente!) e reconquistou o Alentejo. Pela primeira vez o discurso de vitória não soou a falso. Algum dia tinha que acontecer
 
3. Nota fundamental: o BE foi varrido do mapa. Perderam a única câmara que tinham e não conseguiram eleger vereadores nem em Lisboa, nem no Porto. Um desastre colossal. Uma hecatombe muito maior do que aquela que disseram ter sido imposta aos partidos do Governo! É a vida, e a do BE não está fácil...
 
 
Análises dos partidos à parte, uma nota à vitória de Rui Moreira no Porto. É a vitória das contas certas e da seriedade. É também uma extraordinária vitória de Rui Rio que ganha pontos no PSD (tal como António Costa no PS). Distanciou-se da actual direcção, manteve-se atento e cauteloso e ontem decerto que teve motivos para sorrir. Resta saber o que irá fazer com o capital acumulado.
 
Resumindo, ficam 6 conclusões: (1) o PSD pagou o preço das suas más escolhas; (2) os eleitores castigaram os candidatos salta-pocinhas; (3) o PS não soube (ou não pode) capitalizar as inúmeras fragilidades do seu adversário mais directo e construir uma verdadeira vitória; (4) o BE foi pulverizado de uma forma exemplar, demonstrando que o seu discurso já não encanta ninguém; (5) o Porto deu, mais uma vez, um excelente exemplo de independência e de liberdade; e (6) os líderes do PSD e do PS passam a dormir menos descansados.
 
Quanto a leituras nacionais é tudo. Depois há Oeiras...

segunda-feira, abril 22, 2013

O Excel

Segundo a comunicação social, parece que um aluno de PHD encontrou um erro num Excel usado por dois professores para "justificar a austeridade". Diziam Reinhart e Rogoff no paper “Growth in a Time of debt” que Estados com uma dívida superior a 90% do PIB teriam mais dificuldade em crescer.

Pois bem, eu que nada percebo de Excel e muito menos de teoria económica, resolvi passar esta tese para a escala individual e, fazendo-o, parece-me razoavelmente evidente que se a minha dívida equivaler a 90% do meu rendimento, pouco ou nada sobra para que eu possa investir, criando riqueza adicional. Os 10% que não seriam comidos pela dívida mal cobririam as necessidades básicas.

Assim, com ou sem erro no Excel, conclui-se facilmente que mais dívida nunca equivale a mais riqueza, antes pelo contrário. Pelo que, com ou se erro no Excel, a solução será sempre diminuir a dívida e para tal será sempre preciso cortar em algum lado. A graça da política está, precisamente, em escolher onde e como fazê-lo.

domingo, fevereiro 24, 2013

Oscars





Longe vão os tempos em que me dava ao luxo de ficar acordada uma noite inteira para ver a cerimónia da entrega dos Oscars! A idade e as obrigações não perdoam e, por isso, amanhã lá acordarei para saber quem foram os vencedores, para comentar os vestidos e, com sorte, à noite verei um qualquer resumo da cerimónia, entretanto disponível online.


Mas como noite de Oscars é noite de Oscars, aqui ficam as minhas previsões e comentários.

Melhor filme: vai ganhar o Argo, mas devia ser o Django.

Melhor actor: Daniel Day-Lewis, obviamente...

Melhor actriz: temo que a escolhida seja Jennifer Lawrence, com o fraquíssimo Silver Linings Playbook.

Melhor actor secundário: é que só poder ser Christoph Waltz!

Melhor actriz secundária: isto de cortar o cabelo e cantar umas coisas ainda convence muita gente, pelo que Anne Hathaway levará a estatueta para casa.

Melhor realizador: Tarantino nem é nomeado, Ben Affleck também não, pelo que ou vem daqui uma surpresa ou será Spielberg, mais uma vez.

Melhor filme estrangeiro: parace-me que só há Amour por aqui!


Nota: alguém ainda me vai explicar o fascínio que se gerou à volta do Silver Linings Playbook, porque eu de todo que não compreendo.

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Homossexualidade e Igreja

A propósito da homossexualidade na Igreja, duas coisas: (1) parece-me que é tão grave um padre ser homossexual como ser heterossexual. Só por si, tal não significa nada. E se acharmos que significa, estamos já a partir do pressuposto que os homossexuais (só por o serem) têm mais tendência para comportamentos desviantes e ilícitos do que os heterossexuais. (2) Outra coisa, completamente diferente, é a história de eventuais crimes sexuais praticados por padres, heterossexuais ou homossexuais, (crimes especialmente graves quando se tratar de abuso de menores ou de pessoas especialmente vulneráveis) os quais devem ser adequadamente investigados e punidos como o devem ser todos os crimes do mesmo género cometidos por qualquer cidadão. E já agora, uma terceira nota: (3) a árvore não faz a floresta e não se deve tomar a parte pelo todo, pese embora o todo deva, também, fazer a sua parte de limpar a floresta. That's all.

terça-feira, fevereiro 12, 2013

Bento XVI

A renúncia de um Papa é algo que nos deve fazer parar e pensar. A quente, o meu único pensamento era a perplexidade. Perplexidade com um gesto tão inesperado e tão pouco habitual (não apenas na Igreja, mas um pouco por todo o lado) que nos deixa chocados, num primeiro momento, e espantados num segundo.

Porém, saber sair, sempre me ensinaram, é uma virtude. Sair bem, com dignidade. Sair quando é altura própria, de forma serena e tranquila. Sair, quando ficar já de nada serve. E é este o ensinamento de Bento XVI, ao sair, de uma forma que é profundamente racional e genuinamente humana. 

Mas como conciliar esta sua saída com o extraordinário exemplo de fé, de entrega e de luta de João Paulo II? O Papa que nos mostrou o seu sofrimento, que expôs a sua doença e a viveu connosco, sem vacilar na fé e sem tremer no seu ministério? Muitas vezes comparo o Papa João Paulo II e a sua particular forma de luta contra um inimigo tão traiçoeiro, quanto poderoso (a doença de Parkinson) com o meu avô. Morreram com um intervalo de 1 ano e viveram de forma muito parecida a mesma doença: sem resignar, sem condescender, sem desistir. Em funções e com responsabilidades muito diferentes, naturalmente, reconheço-lhes a mesma fibra e a mesma determinação em serem exemplares: perante eles próprios (primeiro), perante os outros e perante Deus. Daí talvez o carinho que sinto pelo homem que não conheci, mas no qual encontrava os traços daquele que me ajudou a crescer.

João Paulo II deu-nos o seu exemplo de dedicação e entrega absoluta (totus tuus). Mostrou-nos a face da velhice, da doença e do sofrimento, mas também a face da perseverança, da esperança e da fé. O seu exemplo, também na forma como viveu a doença, como Papa, ficou dado e as suas imagens, curvado e trémulo, ficarão para sempre na nossa memória, como um enorme testemunho de grandeza. 

Mas será preciso um segundo exemplo desta mesma natureza? Talvez não. Talvez o que seja preciso seja a profunda racionalidade de Bento XVI para admitir que a Igreja tem que mudar. E não o faz com uma carta apostólica ou com uma encíclica mas, uma vez mais, com o exemplo. O seu exemplo. O exemplo de um homem a quem a fé o aconselharia a continuar, mas a quem a razão alerta para a "certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idóneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para  administrar bem o ministério que me foi confiado". 

E é por esta sua frieza racional aliada a uma extraordinária profundidade espiritual que acredito que a Igreja, depois de Bento XVI, não voltará a ser a mesma. Não sei que caminho irá seguir, mas sei que não poderá voltar atrás agora que um imenso passo em frente foi dado. Para o bem, ou para o mal.

Possivelmente aquele que era temido como o "Papa conservador" ficará, afinal, na história como um homem contemporâneo e um racionalista que abriu as portas da Igreja ao século XXI.

quarta-feira, janeiro 23, 2013

O inefável "Estado Social"

Aqui há uns anos a Suécia começou a implementar uma série de reformas que permitiram garantir a sustentabilidade da segurança social, melhorar a educação e a saúde. 

Sem "matar" o Estado Social, a Suécia avançou com reformas inovadoras que passam (sem entrar em pormenor) pela criação de um sistema de duplo pilar na segurança social (só 50% das pensões é garantida pelo Estado, sendo o remanescente da responsabilidade de entidades privadas e a parte "pública" do sistema é gerida em sistema de conta-corrente); pela introdução do famoso cheque-ensino, garantindo liberdade de escolha para as famílias, autonomia para as escolas e concorrência no mercado, o que aumentou a qualidade do ensino (e, consequentemente, os resultados dos alunos); e pela privatização gradual dos serviços de saúde, que passaram a funcionar numa lógica em tudo semelhante ao cheque-ensino, numa espécie de sistema de vouchers.

Tudo isto foi feito mantendo o "consenso social" e a percepção geral do Estado Social sueco como um dos mais completos do mundo. Este exemplo, pelo menos, deveria merecer a nossa atenção e estudo.

Os mercados

O regresso de Portugal aos mercados não é um fim em si mesmo, mas a operação de hoje, que permitiu a colocação de 2,5 mil milhões de euros com juro inferior a 5%, é um excelente sinal. Quer dizer que, aos poucos, estamos menos dependente da ajuda externa e que poderemos, em breve, deixar as "saias" da Troika e viver por nossa conta.

Porém, mais importante do que Portugal se voltar a financiar no mercado (sem precisar de pedir "ajuda") a juros decentes (embora, recorde-se que a taxa muito superior àquela que nos é cobrada pela Troika), é saber o que vamos fazer com isso. Isto porque o regresso aos mercados, sem uma verdadeira reforma do Estado e sem uma nova política relativamente à emissão de dívida, de nada vale.

Só espero que, depois da Troika e dos sacrifícios, tenhamos, de facto, aprendido a lição. Caso contrário, tudo não terá passado de um intervalo de austeridade numa espiral de dívida. E, não tenhamos ilusões, as mesmas políticas, ainda que separadas por anos, darão sempre os mesmos resultados. Se queremos quebrar o ciclo do endividamento excessivo, do crescimento nulo e da falta de competitividade temos que mudar de políticas e abandonar o socialismo. Temos mesmo que mudar de vida. E, já agora, ainda que seja pedir de mais, mudar de Constituição!

quinta-feira, janeiro 10, 2013

O infame FMI

Eu li o Relatório do FMI, inteirinho, do princípio ao fim. É um bom documento de trabalho que faz uma análise séria do que é o "monstro". Faltam ali algumas coisas, mas muitos dos nossos problemas estão ali bem retratados.

Como método de trabalho, à medida que lia o Relatório, fui construindo uma tabela. De um lado ia pondo as medidas positivas e do outro as medidas negativas. Cheguei ao fim com a primeira coluna cheia e a segunda com nem meia dúvida de chavões assustadores - cortes cegos nas pensões, subida genérica das taxas moderadoras ou despedimentos generalizados de professores.

São ideias, em si, assustadoras, obviamente. Ninguém de bom senso defende um corte de 20% numa pensão de duzentos e poucos euros. Como ninguém com o mínimo de preocupação social defende o aumento generalizado das taxas moderadoras para todos.

Daí a rasgar as vestes dizendo que o Relatório mata o Estado Social (o Relatório não mata nada, desde logo porque não é lei nem regulamento, é apenas um documento consultivo de carácter técnico) e que é o demónio encarnado, parece-me pouco sério.

Desde logo, como disse, este é um documento que lança sugestões, as quais terão que passar pelo crivo político do Governo e do Parlamento. Depois, porque para além de 3 ou 4 propostas mais "assustadoras", o que o Relatório nos dá é uma visão bastante esclarecedora de alguns dos motivos pelos quais chegámos aqui.

Há funcionários públicos a mais? Claro que há! Dizia-me aqui há uns tempos alguém que conhece bem a máquina da Administração que, se calhar, temos 30% a 40% de funcionários a mais (numa estimativa conservadora).

Os funcionários públicos eram uma classe privilegiada face aos trabalhadores do sector privado (CGA, ADSE, horário de trabalho, estabilidade labora´l, etc)? Claro que eram e ninguém o pode negar. E, a ver pelo Relatório do FMI, apesar dos cortes, continuam a ser.

Há classes claramente privilegiadas dentro do Estado (juízes, militares, diplomatas e magistrados)? Claro que há! E faltarão aí com certeza mais umas quantas classes com benefícios que nós nem sonhamos e que nunca deveriam ter existido!

Há professores a mais (e já agora escolas a mais) para um país com a mais baixa taxa de natalidade da Europa? Obviamente que há! Vamos continuar a diminuir o número de alunos por turma até termos um professor para cada criança?

O sistema que permite que a média das pensões da CGA seja de 16.000 euros/ano e na Segurança Social seja de apenas 5.500 euros/ano é justo? Claro que não! E só assim é porque vivemos anos e anos de abusos com funcionários públicos a reformarem-se com os ordenados de Directores Gerais ou Subdirectores e porque há categorias profissionais com "esquemas" escandalosos de reforma (é que nem é preciso falar dos políticos!).

O sistema de saúde gratuito para todos faz sentido? Não! Deve ser absolutamente gratuito para quem tem muito pouco e deve ser pago, de forma progressiva, por quem tem rendimentos mais altos. E, a partir de um certo tecto de rendimentos, deve ter um custo equivalente ao custo que a prestação dos mesmos cuidados teria no privado.

Faz sentido que o Estado mantenha um sistema público de educação quando no ranking das 50 melhores escolas apenas duas (repito, DUAS) sejam públicas? Não! Dê-se autonomia às escolas e liberdade aos pais, calcule-se o custo por aluno e implemente-se um sistema de cheque ensino.

Todos estes são exemplos que provam que o que o Relatório do FMI (já infame) não é disparatado e não é o coveiro nacional. Contém uma boa análise da situação de base e apresenta algumas boas soluções.

É impossível pensarmos numa reforma do Estado (ou refundação) que não mexa na função pública, nas prestações sociais, na saúde e na educação. Os cortes serão duros mas são necessários. Não podem ser cegos, mas devem promover uma verdadeira justiça social. O Estado tem que se reduzir ao essencial e retirar-se de inúmeros sectores onde os privados fazem mais e melhor (e por menos dinheiro!). Assim, poderá canalizar recursos para as suas funções essenciais (que passará a prestar de forma mais eficaz e mais eficiente) e reduzir o peso dos impostos, libertando assim a economia, as famílias e as empresas.

Por fim, o que o Relatório do FMI esquece (porque, porventura, não lhe foi pedido que se debruçasse sobre isso) são, nomeadamente, os anos e anos de má gestão dos recursos públicos (os nossos impostos) canalizados para obras megalómanas que serviram para encher os bolsos de alguns; a pequena corrupção; as corporações e o amiguismo que parasita o Estado; o desperdício e a gestão danosa; os privados que vivem à conta e por conta do Estado; as empresas públicas ou quase públicas que são sorvedouros de recursos e todos os demais cancros do nosso Estado, os quais são já bem conhecidos. E estes cancros têm que ser extirpados, sob pena de nos continuarem a matar, lentamente, bem para lá da dieta imposta.

quarta-feira, janeiro 09, 2013

Paradoxo

Se fazer o "ajustamento" pelo lado da receita (impostos) todos criticam e se fazê-lo pelo lado da despesa (com ou sem receita FMI) é matar o Estado Social, violar a Constituição e mais três mil e quinhentas coisas terríveis e abomináveis, que tal não se fazer ajustamento algum e continuarmos a viver à grande até vir alguém apagar a luz (sem pagar a conta)?*




* Vem isto a propósito das várias reacções ao Relatório do FMI.


sábado, janeiro 05, 2013

O fascínio da televisão



Pese embora reze a história familiar que comecei a andar no dia em que uma TV a cores chegou lá em casa, a verdade é que também sempre ouvi que, desde pequena, nunca achei especial graça à televisão.

Lembro-me, porém, de ficar fascinada a ver a mira técnica (acho que acompanhada de música clássica, mas não posso garantir) e de pouca atenção prestar aos desenhos animados. Curiosamente, até hoje a mira técnica é uma imagem que me fascina. Talvez porque representa a tecnologia que permite que um pequeno aparelho nos traga som, imagem e cor, o que é algo de absolutamente fabuloso. Uma tecnologia que nos permite estar em “directo” com o resto do mundo e receber informação, entretenimento e cultura em tempo real é algo com que os nossos bisavós poderiam apenas sonhar (e com certeza tanto sonharam que fizeram do sonho uma realidade). E o que fizemos nós com ela? Transformámos esta extraordinária invenção humana em lixo.

Para mim, a televisão (no que ela hoje significa, com os seus talk shows, reality shows e todos os demais shows que não têm ponta de interesse ou graça) só pode estar desligada e mantida assim. Ver alguns dos programas que preenchem os mil canais com que os mais completos pacotes de TV nos brindam é uma espécie de tortura (sei bem do que falo, já que fui “submetida” a cerca de duas horas de visionamento difuso da Casa dos Segredos na passagem de ano). 

Por isso, a minha televisão continua desliga da corrente à espera que eu lhe arranje uma entrada USB, a qual abrirá a porta às minhas séries e aos meus filmes, vistos quando e como eu quero, sem interrupções para publicidade de produtos que eu não quero comprar ou de programas que eu não quero ver. Para ser perfeito, era só conseguir ter uma mira técnica no final da “minha” emissão, acompanhada de boa música!

quarta-feira, janeiro 02, 2013

O Salto


2012 foi o ano do salto. Podia chamar-lhe mergulho, mas prefiro vê-lo como um salto. Um salto para dentro de mim, sem medo de me perder no vazio.

E se a vontade de dar esse salto foi uma decisão consciente - numa tentativa de me conhecer e de ser mais feliz - todo o processo subsequente, embora consciente, não depende da minha vontade e não posso sequer tentar controlá-lo. É uma aventura. Terrível e magnífica. 

Terrível porque me confrontei com algumas coisas que preferiria não ter encontrado em mim. Mas magnífica por tudo o que ganhei em verdade e em autenticidade. Finalmente a imagem projectada no espelho é mais aquilo que Sou e menos a construção racional (a máscara) a que hoje chamo o "sempre fui assim".

Hoje sinto que este salto em busca do Eu é, possivelmente, a maior viagem que algum dia poderei fazer. E uma viagem que nunca acaba, porque é sempre possível ir mais longe e mais fundo. Aliás, esse é o verdadeiro desafio, não parar a incessante busca do Eu e aprofundar o Ser. Encontrar o Eu verdadeiro, fundo, bem fundo, e não o eu que fui construindo, camada após camada, até não ser mais do que um conjunto de certezas inabaláveis e de definições absolutas do "sempre fui assim".

Tornar-me eu mesma, sei hoje, é uma tarefa árdua. Implica deitar fora muitas das coisas que sempre disse e sempre fiz porque "eu era assim". É andar à deriva e, muitas vezes, não saber, de todo, qual é o caminho que quero seguir. É contradizer-me, é aceitar que há mais mundo que quero descobrir, é ter a coragem de viver os meus sonhos, é assumir que posso e quero ser mais e ser melhor. É, também, redescobrir a autenticidade e perder o medo de Ser. É difícil, mas é possível.

Eu quis dar esse salto e mesmo sabendo que ainda tenho um longuíssimo caminho a percorrer, ganhei a serenidade de o ir fazendo, dia a dia, sem querer construir uma nova "máscara" e tornar-me qualquer outra coisa que não Eu. No fundo é este o meu propósito no ano que começa. É simples, mas não é pouco. É uma tarefa para a vida.